Sport Clube Beira-Mar: 100 anos de História

Terminado o pesadelo da I Guerra Mundial e mais apaziguada a sociedade portuguesa após a instabilidade provocada pela implantação da República, Aveiro começou a desejar seriamente que se preenchesse uma lacuna no campo desportivo, que praticamente estava em aberto.

Era certo que existiam em Aveiro, desde 1904, dois clubes que muito prestigiavam esta cidade e que implementaram modalidades como a Pesca, o Remo, a Natação, o Atletismo e... também o Futebol. Mas esta última só era praticada entre as gentes de forma esporádica, sem uma continuidade e sem a projecção que os Aveirenses desejavam.

Decorria o ano de 1918 quando um grupo de rapazes da zona da beira-mar, depois de solicitarem a José Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot que patrocinasse a fundação de uma nova coletividade desportiva, lançou-se na concretização da ideia, e deu corpo a uma associação de futebol na zona da estação dos caminhos de ferro. Pouco depois, iniciaram-se desafios amigáveis, que tiveram como resultado imediato uma certa renovação ou revigorar dos clubes existentes e que viriam  a favorecer a criação de um ambiente propício a maiores empreendimentos. A associação teve vida efémera, é um facto, mas permitiu lançar a "semente" que viria a germinar.

Durante o ano de 1921, alguns rapazes do bairro piscatório da beira-mar – dessa parte baixa da cidade, mas alta no genuíno casticismo aveirense – recém chegados dos Estados Unidos, para onde haviam emigrado, reuniam-se todas as noites no Rossio. Tinham andado por outras paragens; todavia, de nascença e de criação, de maneira de ser e de amar, sempre foram e permaneceram bons cagaréus até à fibra mais profunda. Falavam de tudo e, cada dia que passava, sentiam-se mais um grupo unido, cujo elo de ligação era a amizade.

As conversas foram caindo num ponto comum, quase obrigatório; o tema dominante passou a ser o futebol e o seu lançamento entre eles. Com muita naturalidade, viram-se aglutinados pelo comum e dominante desejo de jogarem à bola. A ideia bailara e logo fora assimilada; moços apostados em disputar um esférico com quem quer que fosse, não lhes importavam os olhares complacentes ou irónicos do cidadão circunspeto.

A “futilidade” dos rapazes foi aliciando gradualmente a urbe e acabaria por se impor. Assim, ali à beira da ria, nasceu o Sport Clube Beira-Mar, desde logo marcado pela sua inconfundível raiz ribeirinha e fortalecido pela brisa salgada da maresia.

No princípio, os "conciliábulos" nocturnos realizavam-se ao ar livre; depois, passaram a fazer-se num armazém de peixe, pertencente a João da Cruz Moreira, sócio nº1 do clube. Porém, a sede propriamente dita era noutro armazém, propriedade da companhia conhecida pelo nome de “Burra”, sito na Rua de Bernardino Machado, nº2, onde se equipavam os jogadores. No entanto, a sede inicial, digna de si própria, foi num primeiro andar do Cais dos Mercantéis, com acesso pelo nº17.

Foi aí que, no ano de 1922, antes de uma sessão solene e perante compacta multidão, desejosa de participar na festiva e histórica cerimónia, ao som de acordes musicais e por entre o estralejar de foguetes, a bandeira listrada do clube subiu ao mastro pela primeira vez, erguida por Luís da Rocha Leonardo, desportista de larga visão e homem de impoluto carácter, presidente da respectiva Direcção e que fora da Comissão Organizadora e da qual também fizeram parte João da Cruz Moreira, Firmino da Naia Novo, José do Pinho Nascimento, João da Rosa Lima, António Pinho das Neves, António Gonçalves Andias, Francisco Nunes da Maia, Domingos dos Reis (Campanhã), Carlos da Naia Sarrazola, Augusto Vicente Ferreira, José dos Santos Silva, Primo da Naia Pacheco, Luís dos Santos Gamelas, José de Deus da Loura, Francisco Passos da Cruz, Joaquim Gonçalves, João Salvador da Maia e Amândio dos Santos da Benta. Mais tarde, meia dúzia de anos passados, o Sport Clube Beira-Mar instalar-se-ia num prédio em melhores condições, no mesmo local, com entrada para a Rua das Marinhas.

Uns dias antes da cerimónia inaugural da nova coletividade – precisamente no dia de Natal de 1921 – realizara-se, no campo do Rossio, o primeiro encontro de futebol disputado com o Clube Mário Duarte, terminando em desvantagem para os principiantes por 3-2; contudo, o resultado poderia ter sido mais desfavorável, se os vencedores não se condoessem dos animosos neófitos que, apesar disso, não desanimaram.

Dera-se à equipa a seguinte constituição: João da Cruz Moreira; José do Pinho Nascimento e Primo da Naia Pacheco; Luís dos Santos Gamelas, José de Deus da Loura e António Pinho das Neves; Firmino da Naia Novo, Francisco dos Passos da Cruz, João da Rosa Lima, João Salvador da Maia, Francisco Nunes da Maia e, como suplente, António Gonçalves Andias.

O jogo seguinte, também em Aveiro, seria com o Clube dos Galitos; depois houve a primeira deslocação, que foi a Anadia, para aí defrontar o grupo local. Os beiramarenses perderam nos dois desafios, respectivamente por 3-1 e 5-0, mas ganharam experiência, ensinamentos e, sobretudo, amizades inesquecíveis.

Na hora da arrancada, havia muitas deficiências porque esta nova colectividade partia do zero; só não escasseava a tenacidade daqueles para quem o movimento desportivo e clubista não era fruto da leviandade própria dos verdes anos. Eles provariam rapidamente serem homens de “antes quebrar que torcer”, que não temiam o futuro nem as dificuldades, como as gentes de Aveiro, como os cagaréus da beira-mar...

Já em 15 de Abril de 1982, devido ao seu mérito na promoção da prática desportiva juntos da população Aveirense e, principalmente, das gerações mais jovens, é atribuído ao Sport Clube Beira-Mar, através de diploma emitido pelo Conselho de Ministros, presidido pelo então Primeiro Ministro de Portugal, Dr. Francisco Pinto Balsemão, a distinção de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, tendo sido o mesmo publicado em Diário da República.

Na nossa história, há outros registos que passam ou passaram ao lado das vitórias: num passado recente, a colaboração estratégica do SC Beira-Mar com outros Clubes de Aveiro, permitiu criar novas sinergias na congregação dos esforços de prática desportiva e com vista à melhor  projecção das instituições no panorama desportivo nacional. Exemplos práticos são o projecto “Aveiro Basket” (com a participação do Clube dos Galitos, Esgueira Basket e Sport Clube Beira-Mar) assim como a secção de Hóquei em Patins (com a parceria entre o CENAP e o Beira-Mar), ou, mais recentemente, o projecto  com a Universidade de Aveiro, no Basquetebol sénior.

Importa enaltecer o papel dos Clubes de Aveiro que possuem infraestruturas, como o FC Bom-Sucesso, o CD São Bernardo, ou até mesmo ao Município de Albergaria-a- Velha que, em fases menos positivas que o SC Beira-Mar atravessou, permitiram ao Clube continuar a oferecer a formação e a prática desportiva, quer aos atletas locais, regionais e nacionais, quer ao nosso público aficionado, no bom desenvolvimento e difusão da prática desportiva, associativa, recreativa, cultural, lúdica e human, tal como estabelecido nos Estatutos de Fundação do Clube.

Fonte: Alguns dos artigos aqui transcritos são adaptados de jornal «O Beira-Mar» (1960), da Biografia do SC Beira-Mar (1968), e de textos de João Gonçalves Gaspar e imprensa.

Ao longo dos anos, o Sport Clube Beira-Mar foi assumindo a sua posição no desporto nacional, não só no Futebol como também noutras modalidades, com especial enfoque no Basquetebol, no Andebol e no Boxe. Somaram-se conquitas e troféus que encheram de orgulho as gentes "Auri-Negras"! Pavilhão cheio para os grandes embates desportivos, saraus de qualidade e sucesso, vitórias que ficaram na história!

O Futebol que foi o dínamo da criação do Sport Clube Beira-Mar, não ficou atrás. Anos consecutivos no escalão maior e no passado mais recente, no final do Século passado, os primeiros grandes triunfos: uma primeira presença na icónica final da Taça de Portugal (perdida no prolongamento para o FC Porto, 1-3), as tardes recheadas no Estádio Mário Duarte com bancadas a "abarrotar" e as vitórias sobre os "grandes" do futebol português, até à repetição da da final da Taça de Portugal, maior glória "Auri-Negra" até aos dias de hoje: vencedor da final do Jamor! Um triunfo sobre o Campomaiorense (1-0) com golo de Ricardo Sousa, filho do treinador, António Sousa, criou um momento poético e inesquecível na história recente dpo Sport Clube Beira-Mar.

As modalidades seguiam, pelos anos, os seus caminhos e mostravam o ecletismo do Clube mais representativo da região: os sucessos internacionais do Basquetebol, os mínimos Olímpicos do atleta José Fernandes no Boxe, até à criação de novas secções que catapultaram ainda mais o nosso nome. O Futsal é disso exemplo com títulos ditritais e chegadas a provas nacionais, e conquistas desde a formação.

Uma queda administrativa da equipa de futebol aos "Distritais" depois do insucesso de uma Sociedade Anónima Desportiva, fez reavivar a "Paixão Auri-Negra"! Num período difícil - as contingências do desporto profissional e empresarial evidenciaram-nas neste Século - obrigou o Sport Clube Beira-Mar a renascer, a reconstruir-se e, com alma, manter a Bandeira do Clube a esvoaçar com esperança e confiança! Nos dias de hoje, são muitos aqueles que visível ou invisivelmente, não deixam um Clube com 100 anos de História abandonado!
 

O Sport Clube Beira-Mar sempre foi reconhecido pelos seu méritos sociais para além dos feitos desportivos ao longo da sua História. Com efeiuto, foram vários os momentos em que esse reconhecimento foi público e notório, com distinções que honram e abrilhantam as páginas do Clube.

Em 14 de abril de 1982, por despacho do Decreto publicado no Diário da República II Série, o Sport Clube Beira-Mar viu-lhe ser atribuído o estatuto de Utilidade Pública - Pessoa Colectiva de Utilidade Pública - que muito orgulhou os seus responsáveis e as suas gentes. O estatuto havia de ter usufruto negado anos mais tarde, aquando das "aventuras" de uma Sociedade Anónima Desportiva que havia de ser extinta depois de inúmeros incumprimentos.

A recuperação do usufruto desse estatuto foi estando sempre na mente dos responsáveis do Clube e, em 2014, no dia 29 de agosto, depois do cumprimento de várias necessidades adminsitrativas junto da entidade responsável, colecção documental comprovativa de diversa situação legal regularizada que se estendeu desde 2021, e o registo dos novos estatutos, o Sport Clube Beira-Mar voltou a ser reconhecido como entidade de Utilidade Pública!    

É de notar o reconhecimento público como Instituição de Utilidade Pública, Oficial da Ordem de Benemerência (29 de Março de 1947), e tendo-lhe sido atribuídas as Medalhas de Prata e de Ouro da Cidade de Aveiro, a Medalha de Mérito do Instituto de Desporto e bem como a Medalha de Bons Serviços Desportivos (2002).